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Mulheres: Entre feminilidades, masculinidades, redpill e mais além...

Renato Santiago Bandola de Oliveira é psicólogo clínico (CRP 04/30.762) e professor universitário, pós graduado em Psicologia Analítica, Educação Especial e Inclusiva e graduando em Saúde Mental.

Estátua de Lilith primeira esposa de Adão

Neste dia 8 de março comemoramos o dia internacional da mulher. Mas do que estamos falando quando dizemos mulher? Uma construção cultural que tivera seus direitos violados ou não reconhecidos durante séculos? A anatomia feminina curvilínea, esbelta e delicada? Um jeito de ser próprio que caracteriza o oposto do homem? De qualquer modo, quero me deter aqui nas vivências arquetípicas do feminino onde é possível vislumbrar a facticidade desta imagem que fura, seduz e transveste o homem que se crê somente masculino, levando aqueles que resistem ao seu movimento a loucura e aqueles que as aceitam, além de si mesmos.


 

“Quando um homem é possuído por sua anima, ele se encontra dominado por sentimentos peculiares, não consegue controlar suas emoções, mas é controlado por elas”

(JUNG, 2014, p. 152).

 

Mãe, irmã, esposa ou imagem onírica que nos encanta, qual Afrodite nascendo das espumas da castração de Urano! Miticamente podemos dizer que a beleza afrodítica está contida em tudo, onde através da sedução das imagens somos reconectados a vida através da morte de um poder autocrático e regressivo de um Pai primordial? Imagem do sublime, mas também aterrorizante na personificação de Lilith, Ártemis e antigas e atuais bruxas em suas transgressões do patriarcado na afirmação de si, tais personificações do feminino quando remetem a sua qualidade arquetípica, nos mostram que tanto a beleza e o amor de Afrodite, quanto a recusa em cuidar e amar de Ártemis e as amazonas na remoção do seio para melhor usar o arco, ou na transgressão da lei do Deus Hebraico no abandono do primeiro homem de Lilith diz das possibilidades de realização da mulher (SICUTERI, 1985).

Se a psicologia analítica tem algo a nos mostrar a respeito da compreensão das mulheres em nossa contemporaneidade é justamente o fato de que tais requisições culturais, como o direito ao voto, emprego em condições dignas de igualdade de gênero e posse sobre seu próprio corpo e sexualidade, em um nível arquetípico sempre estiveram contidas como possibilidades em cada mulher. O Homem primordial[1] se reatualiza na busca por mudança sendo preciso que este afeto ressentido seja assumido, como se algo dentro de nós fosse violado em sua existência e o próprio fato de sentir essa violação, pressupõe que uma totalidade foi ameaçada ou ferida.

A pergunta é: “De onde surge esta totalidade que se ressente por não ser considerada em seus direitos, senão da própria alma?”. Para Jung este homem arcaico ainda existe no homem moderno, porém foi deixado a revelia pela consciência que insiste em se desenraizar cada vez mais, porém ele ainda se revolve e distorce a consciência nos movimentos de massa e fenômenos psicopatológicos.


 

“Pertence a natureza do movimento para frente que aquilo que já foi retorne (...) No eterno retorno do idêntico não está o sentido, mas no modo de sua recriação no tempo”

(JUNG, 2015, p.348)

 

Como bem nos mostram as psicologias do inconsciente, como tudo aquilo que já foi irá retornar na medida em que não lhe foi dado suficientemente seu direito de realização, assim também o feminino retorna em seu aspecto sombrio. O sombrio feminino retorna nas imagens que revelam este como tendo uma natureza não só de convergir harmonicamente com o masculino, mas negá-lo. Assim Roberto Sicuteri (1985) nos apresenta que na mitologia bíblico-hebraica Lilith abandona Adão negando-o quando requisita na própria maneira de realizar o coito sua igualdade. Deste modo podemos traçar um paralelo entre Lilith, este feminino que nega, que diz não a toda forma de hierarquizar o amor, com a Ártemis grega em sua relação com Actaion onde a deusa se nega a ser caça antes que o caçador seja penetrado pela mente do animal, pela verdade da caça. A negação que Lilith imprime sobre Adão é a legitimação da igualdade do feminino perante o masculino, portanto uma negação de todo funcionamento que visa a submissão, por isso Lilith é o mistério da lua negra, que ainda que seja invisível na noite escura, sua existência é composta por sua ausência.

Mas para Jung (2015, par. 328) “A anima, sendo feminina, é a figura que compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura que compensadora é de caráter masculino e pode ser designada pelo nome de animus”. Ou seja, há uma relação de complementariedade dos opostos. Por mais que possamos estranhar em um primeiro momento, vendo esta caracterização como algo maniqueísta e que parece identificar o gênero com a anatomia o que Jung buscava na verdade era o extremo oposto, quando para ele não há como compreender a anima e o animus fora da sizígia[2]. Isso significa que dentro do projeto de psicologia de Jung já havia a tendência de desliteralizar a noção de gênero quando: “Não há homem algum tão exclusivamente masculino que não possua em si algo de feminino” (JUNG, 2015, par. 297).

Porém, como um homem de sua época Jung não podia deixar de conceber as identidades de gênero segundo sua cultura, porém ele não as naturaliza, pois feminilidade e masculinidade nada tem a ver com ser homem ou ser mulher. Assim como animus e anima representam muito mais do que somente os gêneros, atualmente não há uma regra em que defina que um homem em sua consciência é mais masculino. A tendência moderna é de algum modo diluir os gêneros, pois as relações se tornaram mais complexas onde muitos se identificam como não-binários. Isso significa que na psicologia dessas pessoas não necessariamente o gênero masculino e feminino possui alguma relevância para a determinação da identidade como um todo, ou há uma grande flexibilidade entre os mesmos, mas a principal característica é não nomear o que é um avanço e tanto em termos de maturidade sexual, pois a sexualidade é colocada em seu lugar, no território das individualidades e intimidades.

Porém há também outro extremo que podemos visualizar no fenômeno redpill, movimento masculinista em que alguns homens fazem elegia a uma suposta realidade por trás de um “véu” e a pílula vermelha é quando o homem percebe-se masculino e a mulher percebe-se feminina. Há neste programa uma espécie de ideologia conservadora que tende a cristalizar os gêneros identificando os mesmos com a anatomia. Isso soa uma espécie de moralismo, pois a muito tempo nossa cultura não identifica mais gênero com biologia, tentar reunificar isso naturalizando o que não é natural irá soar como moralismo, como aconteceu recentemente onde um influenciador da redpill ameaçou uma de suas críticas por não concordar com suas posições.


Mas isso não significa que não possam existir identidade de gênero tradicionais, desde que se reconheça que isso tem mais a ver com a educação e preferência sexual e não com leis gerais da natureza. Também não significa que sendo masculino ou feminino não podemos transitar entre os gêneros de forma mais fluida e desinibida. A cultura da “redpill” tende a naturalizar o que é cultural e a tendência do não-binarismo seria fechar os olhos para uma realidade que nos determina a séculos como se gêneros não existissem. Neste sentido o não-binarismo que se aferra a negação dos gêneros é em grande parte determinado negativamente por eles, pois se precisam se ocupar em negá-los, não podendo negar que estão constantemente negando e aqui não podem negar algo que não existe. Em toda essa miscelânea e pluralidade de atitudes e formas de existir a tendência é cada vez mais deixar os gêneros tomarem seu próprio caminho quando são colocados na vida íntima e não nomeados, mas vividos e realizados.

De qualquer modo ser mulher nos dias atuais perpassa ser atravessada não somente pelas imagens primordiais do animus e da anima, mas também implica que tais imagens se configuram em um contexto histórico onde a sombra do feminino se apresenta no ressurgimento da imagem daquele princípio arquetípico que nega toda e qualquer possibilidade de submissão a um outro que viole seus direito lhe oprimindo. Tal sombra é sentida nos impactos que a liberdade das mulheres provocam em muitos homens revelando suas inseguranças e incapacidade em conseguir lidar com o Eros, em atrair e encantar a mulher, tornar-se uma figura agradável e sedutora.

Quanto mais o homem contemporâneo luta contra sua anima querendo submetê-la, mais ele irá encontrar Liliths a sua frente, mais e mais receberá um bom e sonoro NÃO quando seu desejo de conquista se enraizar no Adão regressivo, pois o que está em jogo para ele é o domínio e não a conquista e o envolvimento. Ao contrário do que se pensa, um homem aberto a sua interioridade compreende que para que ele possa conquistar e envolver, precisará pensar como uma mulher, mas uma mulher contemporânea. E precisará desnaturalizar a noção de gênero, pois aí compreenderá o que significa amar, antes de mais nada, poder escolher dizer não, poder ser apenas mais um. Talvez aí se consiga compreender que o amor é uma arte e Eros um deus exigente.


 

REFERÊNCIAS


JUNG, C. G. Civilização em Transição. Petrópolis. Vozes. 2011.


_________. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis. Vozes. 2000.


_________. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis. Vozes. 2015.


_________. Seminários de Psicologia Analítica. Petrópolis. Vozes. 2014.


SHANDASANI, S. O Livro Vermelho. Petrópolis. Vozes. 2015.


SICUTERI, R. Lilith a Lua Negra. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1985.

 

NOTAS

[2] Sizígia é uma palavra mítica que descreve os pares de opostos da mitologia retratando o motivo da conjunção dos opostos, ou seja, não há como conceber o masculino sem que o feminino esteja presente e vice-versa como aponta Jung (2000, p. 73) “...esta exprime o fato de que concomitantemente ao masculino sempre é dado o feminino correspondente”.

[1] Homem primordial ou arcaico é um modo de ser relacionado a um tipo específico de psicologia. Jung localiza este tipo de funcionamento psicológico não somente no homem da antropologia, mas um modo de funcionamento no inconsciente do homem moderno. São os estados pré-lógicos do psiquismo que remetem a “participação mística” com o mundo. Conceito de Levy-Bruhl em que há uma indiferenciação entre interno e externo e onde a alma se encontra projetada no mundo animando coisas que são inanimadas (JUNG, 2011).




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