Auto Estima: Sobre a busca por contornos fictícios
Vivemos em sociedade e a sociedade vive em sua maioria de padrões e estereótipos o que revela cada vez mais um corpo atlético, esculturado pela academia e modificado por cirurgias como sinônimo de vida saudável e auto estima. É curioso o fato de que ao mesmo tempo em que as academias e a cultura fitness crescem, também as farmácias e a cultura farmacológica como gerenciamento dos afetos acompanha este movimento. Vivemos em uma cultura perversa da perfeição.
Porém, nossa estrutura vivencial de milênios não comporta somente o que está na moda, ou o que é perfeito de uma forma estereotipada fazendo com que surja nas pessoas um resquício de irrealização e comparação das vivências massificando e desqualificando as mesmas. Em uma época em que é real o que aparece e o que aparece precisa ser moldado segundo parâmetros estereotipados o sentimento de des-importância e invisibilidade é algo dado a todos nós.
Contornos Fictícios
As redes sociais quando acabam por virtualizar as relações em uma temporalidade imediata, conexões e desconexões ao alcance de um clique. Isso dá ao sujeito um sentido de poder ilusório acerca das suas ações diante de seus afetos. Assim também as “selfies” como imagens editadas de si, desenvolvem no sujeito um auto conceito mediado por uma imagem idealizada de si, uma ilusão de amor próprio justamente por ser uma visão parcial da realidade.
O que se consome é mais o ideal que se gostaria do que verdadeiramente o que se é. O ideal tem mais a ver com o desejo e com o irrealizado do que propriamente com as experiências de aceitação do aqui e agora. O leitor deve estar pensando que faço uma crítica a modernidade líquida. Justamente o contrário! A imediates e a lógica fugaz das relações contemporâneas criaram certa diluição da importância que as relações possuem para a sociedade, deste modo possibilitou as pessoas uma maior amplitude vivencial para deliberar acerca do que realmente querem buscar em uma relação, mas trouxe também junto com isso, certa angústia pelo imponderável, algo que nem todos conseguem lidar. Quando se quebra padrões, precisam-se criar novos e para criar novos é preciso sustentar a angústia de relações sem muita definição, sem muitas idealizações.
O problema surge quando a dinâmica virtual começa a mediar a relação que temos com nossa auto imagem e auto conceito. Nesse sentido nos olhamos através do que nos falta, através do que gostaríamos de ser, enfim, através de tudo aquilo que não nos caracteriza no aqui e agora coagulados na virtualidade. É a constante busca por contornos fictícios. Assim as redes sociais nos convoca a vivenciar um ideal irreal, ou querer alcançar isso. Substituindo o real pelo ideal, sendo o ideal a manifestação inconsciente da falta.
Deste modo se criou um subproduto deste ideal que é a noção de bem estar e qualidade de vida. Não é só um corpo esculturado, mas também a noção de bem estar que também foi contaminada pelo mercado das idealizações. Não se consome bem estar, mas a idealização do que é estar bem, logo se consome a falta. Viver tal idealização, acaba por expurgar do sujeito quaisquer sentimentos de culpa, pois se é bom não tem como ser ruim. Porém concomitantemente cresce os sintomas de apatia, melancolia, irrealização e ansiedade.
Carlos Byington (2017, p. 42) chama de posição insular do arquétipo matriarcal, a vivência que determina nossa relação binária. É através das expressões faciais da mãe que o bebê aprende o que é emoção e afeto. Também, aprendemos nesta vivência arquetípica a nos olhar através do outro. Tamanha é a importância da vivência primitiva de amor. Uma relação materna negligente pode levar o ego à manifestação de uma dessensibilização psicopática, ou ao contrário, um apego inseguro (BOWLBY, 2006) desenvolvendo um vínculo dependende do ego com os outros.
A auto estima não se confunde com essas imagens pasteurizadas de auto conceito, mas deve fazer com que o sujeito se sinta bem com o que tem e com o que é. Em termos psicológicos chamamos de auto estima um auto conceito estável e que nos ajuda a nos adaptar de uma forma suficientemente boa as relações que nos potencializam, nos ajudando cada vez mais a nos aceitar.
Sempre nos vemos através dos outros e estes outros são sempre uma construção. Podemos nos ver de forma muito negativa se tivemos uma vivência de rejeição materna por exemplo. E aí surge o que chamamos de comportamento narcisista. Altas doses de “amor próprio” para compensar a falta e o vazio de uma rejeição difusa. Mas o que aparece é a incapacidade em sentir-se bem consigo mesmo, pois na vivência primitiva matriarcal alguém não sentiu-se bem com nossa existência.
Fantasia e Virtualidade
Em grande parte somos fantasiados por nossos pais, estes que nos dão o primeiro “sopro de vida” que segundo Peter Sloterdijk (2016) é um “fantasiar o outro”, que por não ser concreto passa a ser um nobjeto (não objeto). A cisão entre fantasia e realidade á um sintoma cultural, onde a adolescência se tornou um fetiche. Não querermos envelhecer, sequer crescer, vida adulta e terceira idade se tornaram sinônimos de sofrimento e morte.
Construir um auto conceito de si não é somente definir o que se é através de palavras, mas realizar um trabalho psicológico de diferenciação deste Outro primordial que nos fantasia através de nós. Primeiro é preciso saber o que não somos, para só a partir daí conseguirmos discernir o que somos e consequentemente o que queremos nos tornar. A partir da relação dialética e do método psicológico uma coisa não existe sem a outra, não somos alguém sem o outro, também não podemos nos tornar quem somos, sem questionar e se diferenciar do que não somos, ou quem somos para estes outros.
Desta feita as relações virtuais sendo a mediação através da falta, podem ser a expressão de nossas fantasias acerca de uma determinada vivência, mas não traduzem a nossa realidade tal como se dá. Segundo Jung (2013) “A fantasia cria realidades todos os dias”, porém o que acontece se tais realidades morrerem todos os dias através da reapresentação da falta? As redes sociais e a virtualidade não precisam ser apenas a manifestação da falta, ou seja das idealizações das pessoas. Fantasiar não significa prestar um culto a idealizações, mas somente-idealizar pode significar que o sujeito não consegue encontrar correspondências de sua fantasia no plano da realidade concreta. Portanto virtualizar as relações reduz a vivência do fantasiar, demonstra uma limitação em fantasiar já que a fantasia se alimenta de vivências concretas do repertório de cada um tal qual da possibilidade de tornar-se concretizada. É a concretização de nossas vivências que anima cada vez mais nossas fantasias e vice-versa.
Deste modo a virtualização pode ou não conduzir a idealização. As idealizações representam a alienação da aceitação da falta e aquilo que falta não é integrado pelo sujeito como uma dimensão ontológica da vida. Integrar a falta como uma vivência que nos constitui significa não precisar tapá-la com idealizações, com auto estima “fake”, pois paradoxalmente é justamente a consideração de nossos limites, daquilo que não damos conta, que nos possibilita prospectar através da fantasia algo para além do que pensamos sobre nós.
Concluindo...
Falamos disso para simplesmente demonstrar que a maior demanda de todos os usuários de redes sociais, academias e farmácias se conjuga em uma experiência muito antiga. O desejo de sermos amados. Sermos amados tem muito a ver com sermos fantasiados, por isso desejados, contemplados, imitados e muitas vezes, porque não, invejados. E é justamente este o funcionamento da rede social que cria uma plataforma fictícia onde nossas fantasias são plasmadas em todas essas características do ser-amado-pelo-outro em contornos fictícios.
Mas se olharmos com cuidado e astúcia perceberemos que a experiência do amor tem mais a ver com tempo e presença do que com a falta produzida por idealizações. Aqui cito Alain de Botton em seu livro, Ensaios de Amor:
"Como Narciso, somos condenados a um certo desapontamento, ao olharmos nosso reflexo nos olhos úmidos do outro. Nenhum olho pode conter inteiramente nosso 'eu'. Sempre seremos cortados em uma ou outra área, fatalmente ou não" (p. 114).
Deste modo, nutrir saúde mental e auto estima nas relações significa que necessariamente sairemos frustrados dessas relações mediadas pela produção inconsciente da falta (virtualidade), pois o olhar dos outros não podem nos conter inteiramente e aqui surge o sentimento de alívio. Pois muitas vezes a busca desenfreada por auto estima e amor próprio oculta um auto aprisionamento em uma imagem reduzida de si dentro das fronteiras dos olhos dos outros, que são totalmente ou em partes imaginários refletindo a forma com que nos tratamos.
A realidade não se reduz a somente virtualidades, mas em sua maioria, da concreticidade dos corpos. Auto estima neste viés tem a ver com a apropriação do auto conceito a partir da auto aceitação. E se auto aceitar perpassa estar constantemente na própria presença sentindo e dando conta de suportar as frustrações do dia-a-dia se reorganizando constantemente e extraindo dessas experiências negativas algo de positivo.
Pois ninguém é totalmente bom, nem totalmente mal, nem totalmente repreensível ou totalmente aceito. Para se cultivar auto estima e uma boa saúde mental é necessário uma boa dose de sentimento de inadequação social. Deste modo se você é um usuário costumas de redes sociais e aplicativos de encontro, talvez seja interessante se questionar em algum momento sobre: “Até que ponto está se sentindo ausente em sua própria cia?”
REFERÊNCIAS
BOTTON, Alain. Ensaios de Amor. Rio de Janeiro. Rocco. L&M Pocket. 2012.
BOWLBY, John. Formação e Rompimento dos Laços Afetivos. São Paulo. Martins Fontes. 2006.
BYINGTON, Carlos. Psicopatologia Simbólica Junguiana. São Paulo. Ed do autor. 2017.
JUNG, Carl Gustav. Tipos Psicológicos. Petrópolis. Vozes. 2013.
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Bolhas. São Paulo. Estação Liberdade. 2016.