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Amar é Coagular


Na atualidade vivemos o chamado amor líquido, quando observamos uma pluralidade de formas de experimentar os vínculos. O amor se torna sem preconceitos onde são possíveis várias configurações do desejo, porém será que tal desejo de amar consegue fazer justiça a sua liquides ou inconstância? Zigmunt Bauman (2004) popular sociólogo polonês vai associar o amor líquido a escolha que o ser humano fez pela liberdade em detrimento da segurança.

Liberdade quando realiza uma aposta no risco e na inconstância para superar a segurança e o tédio da relação tradicional de papeis cristalizados. O mesmo autor utiliza a imagem de um casal separado por um rio, onde nenhum dos dois quer atravessar e ver o outro como este realmente é. Será haver aqui um elogio à fantasia ou um limite para o conhecimento do outro?

Ao passo que no casamento tradicional o homem separa prazer de afetividade, fazendo da esposa uma mulher “Amélia” e mãe, sendo a mesma subordinada por este que é o esteio da casa, na atualidade as relações tem sido baseadas na satisfação do prazer imediato da conquista e apaixonamento, sem que haja papéis pré-definidos. Não há nada exterior que garanta a permanência do vínculo senão o próprio desejo por satisfação.

Será que negamos a tradição, optando pelo mais conveniente e menos extenuante, ou demos asas ao próprio desejo para que o mesmo fale por si? Sempre que há um distanciamento do tradicional, há também uma perda de referências e talvez seja este o chamado tempo líquido. Aqui, podemos observar; ao mesmo tempo em que há a experiência da perda, há também um grande território a ser desbravado.

Massimo Recalcati (2016) reconhecido psicanalista italiano vai dizer que com o advento da modernidade houve a recusa em acreditar que é impossível conciliar o plano do gozo sexual do corpo com o amor que quer doar-se ao Outro. Se partirmos de uma concepção histórica iremos observar aqui a divisão entre sexualidade x afetividade que sempre fora a estruturação do casamento tradicional, já que era perdoável uma traição masculina, pois o sexo para o homem não envolvia afeto, assim a prostituição se torna um subproduto desta relação.

O que há de algoz no amor com desejo de durar? Ele é o vilão por impossibilitar nosso desejo, ou é o que revela a verdadeira finalidade do mesmo? Aqui o amor líquido passa a fazer sentido enquanto uma liberdade para que o amor possa se constituir da forma que quiser, isso torna-se fundamental para uma relação satisfatória ainda que os papeis não sejam tão definidos assim, pois se partimos do líquido, algo tem que coagular.

Erich Fromm em sem seu livro “A arte de amar” coloca o amor como aprendido. Desejar e apaixonar é instintivo, amar é um aprendizado, ou poderíamos dizer, cultivo. Isso não significa dizer que podemos escolher qualquer pessoa ou que tal eleição seja de um modo inconsciente. A paixão e o desejo devem ter seu devido lugar. Porém, isso não basta, tem que haver certa liga entre o casal. Muitas são as áreas e os determinantes psíquicos para tal relação “vingar” como compatibilidade de personalidades, gostos, sexualidade, convergência de objetivos, fase em que cada um vive, maturidade e reciprocidade.

A relação estabelecida entre as contrapartes sexuais são possíveis através do arquétipo da anima/animus, que segundo Jung (1963) representa o “totalmente outro” em nós. A personalidade interior e mais profunda de todos nós, o masculino dentro de cada mulher e o feminino dentro de cada homem[1]. Isso significa que o amor comporta em si grandes quantidades de confusão e dores de cabeça. Amar dá trabalho!

Paixão não é Amor

Desta forma a paixão visa a validar a fantasia que temos do outro e consequentemente de nós mesmos, já o amor “... não avaliza nossa identidade, ao contrário: perturba-a, obriga-a a se desmantelar, ceder. Implica um enfraquecimento do Eu, uma perda de controle, uma desorientação, o risco da exposição absoluta à incógnita do desejo do Outro” (RECALCATI, 2016, p. 46).

Deste modo do apaixonar-se, ao ato de amar há uma grande distância. Muitas outras coisas devem continuar a serem correspondidas. Principalmente a frustração do ato de idealizar (expectativa). O amor exige de nós cada vez mais uma grande resiliência diante da frustração das expectativas. A Anima precisa matar o conceito de mulher do ego, para fazer-se alteridade. Muitas vezes este é o grande motivo das traições dentro dos casamentos duradouros, isto é, a recusa em matar as idealizações e concretizar o amor, alguns chamam isso de entrega.

A partir de tal entrega é possível dar outro significado a palavra fidelidade, lealdade, fé ou caminho. O autor acima citado chama de desejo por eternidade o que o amor introduz aquele que se propõe a acreditar, ou melhor, buscar a repetição deste estado. In status de eternidade sempre queremos que o momento se repita e daí a vontade de “...encontrar o Mesmo no Outro [sempre] (...) Ser fiel ao encontro significa quere-lo mais ainda”(ibid).

Liberdade x Libertinagem

A verdadeira liberdade não é como pensa a neurose, evitar o vínculo com o outro, afirmando nossa autonomia, mas saber reconhecer nossa insuficiência e dependência em relação ao Outro. Há que se diferenciar liberdade de libertinagem, quando a segunda se constitui como o produto da modernidade, a era do consumo e da descartabilidade.

Não podemos também associar os prazeres ao consumo, visto que nos tempos atuais consumismo é justamente a repressão dos prazeres, consumir significa aqui um anestésico contra a falta de sentido não assumida, quando para sentir prazer é preciso de cada vez mais doses de endorfina.

A questão do prazer advém de uma filosofia hedonista que diz de uma forma de viver que celebra a própria vida, não necessitando de nada fora do momento presente para se satisfazer. É a satisfação nas pequenas coisas como um vinho, uma comida bem preparada, uma cia agradável aos fins de tarde em uma praça etc.

O hedonismo é a arte dionisíaca[2] da abundancia e celebração dos excessos. Porém tal experiência tem mais uma qualidade subjetiva do que objetiva. Subjetivamente podemos sentir o mundo transbordar e o prazer se intensificar em um simples gesto que passa a exceder como uma relação, uma comida ou um encontro inusitado. Porém externamente não percebemos o acontecimento desta maneira. O tempo e o espaço se abrem e como dizem os amantes : “o mundo para!”.

Após salvarmos os prazeres de sua repressão contemporânea como a absoluta conexão das redes, o consumismo e a baixa tolerância a frustração, podemos observar que a libertinagem segundo Recalcati significa uma constante procura neurótica pela experiência do novo. Por sempre reproduzirmos o mesmo nas diferenças o apelo ao novo cresce e em uma atitude compensatória, procura-se sempre coisas novas.

Assim o “amor que quer durar” se torna uma busca pela superação do tédio do novo. Tédio do novo, pois a busca por este acaba tendo o efeito reverso de sempre encontrar uma mesmidade tediosa. Oras, buscar o novo para fugir do mesmo se torna a maior neurose contemporânea. Joga-se para o outro a responsabilidade por descobrirmos a nós mesmos, assim não há parceria que dure.

Na música a pulsação é diferente da métrica. A métrica é uma convenção de tempo que nos ajuda a inserir os gestos de tocar em sua pulsação correta. A métrica é o tempo cronológico e dividido de batidas, a pulsação é o tempo próprio da música. A inserção na duração significa a vivência ao que a obra se propõe, ela está subordinada a estética, ao que a música pede.

Como é sabido, nossa pulsação cardíaca nunca é a mesma, assim como a experiência do amor intensivamente vivida. Nunca se toca uma mesma música da mesma forma, ainda que se estude e decore os atos da forma mais perfeita possível. Deste modo a imersão nos tempos líquidos talvez signifique uma entrega a duração da própria “música”, da própria relação da forma que ela deva se estabelecer. Qual ritmo, métrica ou pulsação não sabemos, pois não há mais modelos e talvez nunca tenha havido, mas sim formas de lidar com o encontro que devemos realizar com nós mesmos.

Apesar dos tempos líquidos o encontro consigo mesmo através do Outro, para que consigamos encontrar estes outros objetivamente como eles se mostram, ainda é a tônica desta nova obra contemporânea chamada Amor. Nova ou apenas uma variação sobre um tema arquetípico?

Este é o grande desafio que nos propõe Eros. Embarcar em suas brincadeiras de esconde-esconde, onde através dos atos, intenções e ocultações dos gestos do outro, possamos encontrar este Outro-em-nós, nossa Alma. Isso nos impõe outras formas de olhar o outro e a nós mesmos, modificando assim a qualidade da experiência de estar-com, sempre atento às intenções daquele que se esconde para ser encontrado.

Talvez a necessidade desta liquidez é de gerar a matéria prima para que as relações possam se coagular de uma forma mais satisfatória, de uma forma estética. Uma estética de si? O Amor talvez seja uma obra em eterna composição capaz de nos inserir em uma duração estética nos retirando do tempo comum ou nos fazendo perceber que nada é tão comum.

“Não é demanda de outra Coisa, mas sempre da mesma Coisa enquanto Outra. É nesse ‘infinito em ato’ que consiste o amor” (RECALCATI, 2016).

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro. Zahar. 2004.

JUNG, Carl Gustav. Memórias Sonhos Reflexões. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1963.

RECALCATI, Massimo. Não é mais como antes. Rio de Janeiro. Zahar. 2016.

NOTAS

[1] Animus e Anima: “Personificação da natureza feminina do inconsciente do homem e da natureza masculina do inconsciente da mulher. Tal bissexualidade psíquica é o reflexo de um fator biológico; o maior número de gens masculinos (ou femininos) determina os sexos (...). A anima do homem procura unir e juntar, o animus da mulher procura diferenciar e reconhecer” (JUNG, 1963, p. 352).

[2] Dionisíaco: Expressão que vem da mitologia que se baseia no deus grego Dionísio. Senhor dos excessos, prazeres, vinho, volúpias e da loucura. Esse Deus é conhecido por ter sido desmembrado pelos Titãs na entrada de uma caverna, sendo cada parte sua exposta em uma região. Símbolo dos mistérios de Elêusis quando o desmembramento representa aqui um sacrifício e comunhão com o todo. Deu origem ao Orfismo, antiga religião grega de mistérios.


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