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A MEDIAÇÃO DA ALTERIDADE NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO


OLIVEIRA, Renato S. Bandola[1]

SANTOS, Valério Xavier dos[2]

RESUMO

1. INTRODUÇÃO

1.2 O PARADIGMA DA INCLUSÃO

Perpassando pela Antiguidade, mais precisamente a partir do Séc. V o período áureo da razão grega e do nascimento da ideia de Humano enquanto o modelo do universo cultivava-se o corpo ideal como aquele que apresentasse como perfeitas, suas proporções, o corpo atlético representado pelas estátuas dos deuses gregos é exemplo destes parâmetros. Neste período a deficiência era tratada como uma anomalia fora dos padrões humanos, tais pessoas eram exterminadas visto que precisavam preencher padrões coerentes com um guerreiro para ser utilizado em guerras (SILVA apud MENDES, 2010). Tal evento histórico é marcado pelas constantes guerras entre as Pólis de Atenas e as tropas Persas, logo depois, entre as Poleis gregas entre si (ZOJA, 2000).

Posteriormente ao início do século XIII a deficiência recebeu o estatuto de pecado e teve associação com o demônio e o mal. Epilépticos e psicóticos eram na verdade seres possuídos ou que carregavam a marca da punição divina. Porém os cegos carregavam a alcunha de predestinados ou profetas que recebiam visões de Deus. A Partir da Idade Média onde em 1260 d.C. foi fundado o primeiro hospital para pessoas cegas Luiz IX, o apadrinhamento e a caridade cristã começam a ganhar adeptos com o pretexto da salvação da alma caridosa, tal empreendimento surgiu como ajuda para os soldados combatentes da 7ª cruzada (ibid).

A partir da Alta Idade Média a atitude de caridade havia se disseminado pela Europa e surgiram as primeiras escolas para deficientes filhos de nobres que podiam pagar um tutor para os filhos. Assim surgiu Pedro Ponce de Leon, o primeiro educador de surdos, posteriormente, foi fundada no século – XVII a primeira escola para surdos. Já a partir de 1829 Louis Braile criou um sistema de comunicação para cegos baseado no código morse utilizado para a comunicação de soldados na guerra. Alguns outros nomes se destacaram na História da Deficiência como Eduard Seguin (1812-1880) sobre as crianças deficientes, Maria Montessori (1870-1880), que treinou crianças com deficiência mental e Jean Gaspar Itard (1774-1838) educando o menino selvagem de Aveyron (SILVA apud PESSOTTI, 2010).

Todas essas personalidades surgiram a partir da transição da Idade Média para o Renascimento onde o foco na Razão e na ideia de que o Homem era a medida para todas as coisas (característica do Iluminismo), elevava a caridade cristã a um nível racional, aqui a ciência médica passou a ser destaque na assistência aos deficientes que até então compunham asilos onde o paradigma que imperava era o da segregação.

No Brasil foi à educação que a inclusão começou a se mostrar, principalmente a partir da LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases) de 1961, especificamente do Art. 88 e 89. O sujeito com deficiência ganhou o direito de compor o ensino regular e ser por assim dizer, integrado ao sistema regular de ensino. Deu início o período de normalização da deficiência que visava a ofertar diversos serviços para que a pessoa pudesse participar dos mesmos ambientes dos demais alunos do ensino regular, assegurando sua dignidade. O sistema de ensino foi dividido em uma pirâmide descendente onde a pessoa poderia se beneficiar desde a sala de aula comum, a companhia de um professor itinerante, as salas de recursos, as classes especiais até uma instituição residencial (SILVA apud MENDES, 2010).

O movimento da Inclusão que não pode se esgotar somente na área pedagógica, começou a tomar destaque a partir da Declaração de Salamanca que universalizou definitivamente todos os direitos a educação, buscando não somente a presença ou integração do aluno especial em sala, mas zelando pelo seu desenvolvimento com qualidade.

As ideias fundamentais sobre a inclusão escolar pressupõem alguns pré-requisitos como fazer uso de estratégias metodológicas diversificadas permitindo o ajuste personalizado ao aluno, a cooperação nas atividades, atividades com diferentes níveis de complexidade, a autonomização do aluno, avaliações adaptadas às necessidades e a valorização da alteridade.

Segundo Silva apud Pessotti, (2010), a relação entre a sociedade e a deficiência vai se constituindo desde um período de segregação, perpassando a integração até chegarmos ao problema da inclusão. Devido a grande repercussão social atual a respeito das minorias, faz-se de extrema importância à compreensão das relações no processo de construção de uma relação de alteridade para o desenvolvimento da inclusão.

1.3 A MEDIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

O conceito de mediação surge com as propostas pedagógicas de Lev Semenovich Vygoysky (1896-1934) que concebia o processo de aprendizagem como uma dialética entre os fatores biológicos (Filogênese), socioculturais (Sociogênese), individuais (Ontogênese) e contextuais (Microgênese), (LEAL, 2011). Deste modo o mesmo autor vai falar sobre as chamadas Zonas de desenvolvimento Potencial, real e proximal como dimensões da experiência do desenvolvimento da criança, mas também como um paradigma o qual o educador poderá e deverá atuar como um facilitador ou mediador.

A Zona de Desenvolvimento Real é determinada pela idade do indivíduo e pelas coisas que este já consegue realizar com naturalidade, a Zona de Desenvolvimento Potencial é para onde a aprendizagem caminha, o que o sujeito está em vias de desenvolver e por último, a Zona de Desenvolvimento Proximal, uma palavra que descreve a experiência intermédia entre o que a pessoa faz e o que ela está em vias de fazer, serve muito mais como um conceito paradigmático que possibilita a existência da ideia de mediação, local onde o mediador estará atuando diretamente o tempo todo (PAULA e ENUMO, 2011).

Segundo Budel e Meier (2012): “A mediação é uma interação especializada, de maior qualidade, qualificada por posturas específicas denominadas critérios ou características da mediação”. Tais características foram desenvolvidas por Reuven Feuerstein – em Budel e Meier (2012) e se constituem em doze dentre as quais: Intencionalidade e reciprocidade, mediação do significado, transcendência, mediação do sentimento de competência, mediação da auto regulação e do controle do comportamento, mediação do comportamento de compartilhar, mediação da individuação e diferenciação psicológica, mediação da busca por alcance dos objetivos, mediação da busca pelo desafio, mediação da consciência de modificabilidade, mediação da alternativa positiva e mediação do sentimento de pertença.

Os mesmos autores acima sugerem ainda uma décima terceira característica a qual o próprio Feuerstein levantou que “… refere-se à mediação da construção do vínculo professor-aluno, fundamental para que a motivação para aprender ocorra…” (BUDEL E MEIER, 2012, p. 126), sendo tal característica o foco deste trabalho. A ideia de relação que a psicologia construiu foi baseada no método compreensivo e na experiência clínica, onde a única formulação possível é a da psique, pois não há como ser neutro ou imparcial quando se trata do psiquismo humano. Como afirma (JUNG 2000, p. 157):

“A psique pelo contrário, observa-se a si própria e só pode traduzir o psíquico em um outro psíquico (…) A Psicologia não tem outro meio onde se refletir, a não ser em si mesma. Ela só pode retratar-se em si mesma e só pode descrever a si própria”. E continua:

"Tudo o que eu experimento é psíquico. A própria dor física é uma reprodução psíquica que eu experimento. Todas as percepções de meus sentidos que me impõem um mundo de objetos espaciais e impenetráveis são imagens psíquicas que representam minha experiência imediata. Pois somente eles são os objetos imediatos de minha consciência" (JUNG, 2000, p. 298).

Para bem ou para mal o professor emana mais sua qualidade humana do que propriamente seu papel e seu discurso, “… o aprender e o ensinar estão relacionados ao clima emocional em que ocorre a aprendizagem” (PAROLIN E KÜSTER, 2011 P. 5).

A princípio o currículo escolar, quando funciona a partir de ações coletivistas e massificadas, deteriora toda e qualquer possibilidade de aprendizagem, pois produz um sujeito do conhecimento de antemão, dentro de uma curva normal. Tais currículos que propiciam um discurso sobre a educação que inclui e integra utilizam a palavra individualidade como uma bandeira como se o método em si já fosse autossuficiente como nos mostra Budel e Maier (2012, p.156): “Esse modelo de ensino massificante, voltado a um hipotético ‘aluno médio’, não considera o aluno com dificuldades de aprendizagem, nem o aluno com altas habilidades”.

E Jung (2011, p. 219) complementa que:

“Quanto mais ‘científica’ pretende ser a educação, mais se orienta por leis gerais e mais impede o desenvolvimento individual da criança. Um desses princípios gerais soa assim: ‘Deve-se levar em conta a individualidade do aluno e protegê-la’”.

2. A PSICOLOGIA DE CARL GUSTAV JUNG

Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um psiquiatra, psicólogo e antropólogo suíço que desenvolveu seus trabalhos a partir das experiências no hospital de Burgholzli. Sempre tendo de lidar com personalidades extremamente fragmentárias e cindidas, Jung tinha uma difícil missão, introduzir a terapia da fala de Breuer que havia sido desenvolvida por Freud na sua Psicanálise em uma instituição que apesar de ser asilar, se encontrava aberta para pesquisas a partir da direção de Bleuler, criador do conceito de Esquizofrenia, evolução da ideia de Demência Precoce, estado este em que o “doente” não tinha mais possibilidades de inserção social, encontrando-se fadado a se degenerar neurológica e socialmente. Aqui a mesma luta por inclusão que ocorre na educação, travada na área da saúde por requerer condições dignas de direito e legitimidade almejando um tratamento mais humanizado na Reforma Psiquiátrica.

A partir de sua prática médica e psicológica Jung criou conceitos como Inconsciente Coletivo, Arquétipos, Individuação e Self. Pesquisou também a formação dos símbolos naturais (mitos) como estruturantes da psique em correlação com as religiões ocidentais e orientais, tendo visitado a Índia, África do Norte (Índios pueblos). Sua psicologia parte do princípio de que a psique é um conglomerado de ilhas chamadas de complexos, alguns autônomos e outros sob controle do Eu.

Assim, todos nós portamos um nível aceitável do que Jung (2000) chamou de dissociabilidade psíquica, em que fora de casa temos uma personalidade e dentro, outra. Porém o psiquismo não se reduz a apenas duas “ilhas”, mas a um aglomerado das mesmas, algumas as quais temos familiaridade e uma infinidade as quais sequer imaginamos sua existência.

2.2 O INCONSCIENTE PARA JUNG

A tais “ilhas” ou agregados de imagens e associações Jung (2002), denominou de complexo ideoafetivo, partindo do princípio de que todo pensamento, ideia ou atitude psicológica portaria em si uma carga afetiva de baixo ou alto valor. Somente com a psicologia moderna, os processos subliminares começaram a ser estudados nos casos de histeria, psicoses e esquizofrenia que preenchiam os hospitais psiquiátricos e foi a partir dos estudos de experimentação utilizados com o teste de associação de palavras[3], Jung (2000, p. 69) definiu o inconsciente como: "… o receptáculo de todas as lembranças perdidas e de todos aqueles conteúdos que ainda são muito débeis para se tornarem conscientes (…) são produzidos pela atividade associativa (…) e fazem parte de todas aquelas repressões mais ou menos intencionais de pensamentos e impressões incômodas".

Para o mesmo autor a experiência empírica não se constroi em uma tábula rasa como também não nasce hereditariamente como ideias eternas, mas se apresenta como uma dimensão psíquica que está em profunda correlação com a vida por se mostrar como uma camada compartilhada que não é individual e possui analogia com a filogênese do cérebro, todos têm, porém é algo maior do que a personalidade individual. A este estrato psíquico Jung (2000, p. 53) nomeou de Inconsciente coletivo:

“O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode ser negativamente distinguida do inconsciente pessoal pelo fato de, ao contrário deste, não dever sua existência a experiência pessoal”.

Jung (2000, p. 53) também identificou alguns padrões no inconsciente que chamou de arquétipos. Estes se apresentam como experiências impessoais por serem análogas aos motivos mitológicos e “… indica a existência de determinadas formas na psique, que estão presentes em todo o tempo e lugar.” São “… apenas formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação” (JUNG, 2000).

Os mitos, lendas e contos-de-fadas ilustram de forma mais específica o conceito de arquétipo e de inconsciente coletivo, pois não há como compreender tais conceitos sem conseguir observar a analogia simbólica e metafórica existente entre estes mitemas e a experiência psicológica. Zoja (2000, p. 4) nos relata que: “O mito contém um destino, mesmo quando não o descreve (…). O homem necessita da narrativa para identificar-se com figuras humanas”. Sob esta perspectiva, psicologia é a reflexão acerca das projeções que lançamos no mundo externo de pessoas e coisas objetivando a apreensão de um significado intrínseco a existência. Intrínseco, pois a consciência da experiência já existe em estado potencial, mas é através do processo de reflexão considerando as imagens como simbólicas e metafóricas que legitimamos o fenômeno.

Se o homem se identifica com algo é porque há naquele sujeito externo ou interno a predisposição para se identificar, ambos compartilham um inconsciente que permite conceber a realidade não como meros equívocos da mente, mas muito mais além, como um absoluto vazio de potencialidades que se manifestam o tempo todo.

2.2 ARQUÉTIPO E CULTURA

A palavra arquétipo é do grego Arqué+tipos (formas + arcaicas), que Jung (2000) define como pré-disposições herdadas para a formação de imagens e padrões de comportamento (patterns of behavior). Utiliza como exemplo a migração das aves, a formação das colmeias e a reprodução dos peixes. Ao mesmo tempo em que o arquétipo é uma forma de experiência objetiva da vida com uma finalidade (Telos), ele representa – por serem as formas do Inconsciente Coletivo – as possibilidades que “não há-como-não-serem” para nos considerarmos humanos, Jung percebeu tal correlação através do estudo comparado das imagens e símbolos culturais e as imagens oníricas e de fantasia trazidas pelos seus pacientes, como por exemplo no caso de um paciente esquizofrênico americano que em seus delírios visualizava um pênis no sol que produzia o vento, mesmo tema de um papiro egípcio recebido por Jung, onde na cerimônia ao deus Rá as pessoas se viravam para o sol acompanhando o movimento do falo do sol, mesmo sintoma observado por Jung que em outra cultura se mostrava como um rito religioso (JUNG, 2000).

O arquétipo é a imagem psiquificada do instinto, quando o que predomina é a regularidade e a inconsciência do comportamento, não havendo diferença entre ambos e dando origem a todas as representações simbólicas que nos distanciam e nos distinguem dos animais nos inserindo na cultura (VIEIRA, 2006).

Em Jung a cultura é entendida enquanto a manifestação da natureza psíquica, esta última está fadada a eternamente determinar a si mesma e aos outros assumindo ou não estes últimos suas condições. Considerando a cultura (em seu processo dialético) enquanto natureza humana, Jung retirou o entendimento do psiquismo de uma atitude de determinismo extático, permitindo assim uma atitude de diretividade e facilitação do trabalho tanto terapêutico quanto pedagógico.

O trabalho que Jung realizava era justamente a exploração das imagens irracionais do inconsciente, tratando-as sempre como natureza e amplificando a rede de associações de palavras diante da imagem que a pessoa trazia até começar atingir temas universais como o arquétipo do herói, o salvador enquanto criança abandonada, o segundo nascimento virginal, dentre outros.

Tais imagens representavam um padrão inconsciente impedido ou em vias de se realizar. Sendo assim, o inconsciente é a natureza psíquica se manifestando em suas qualidades culturais tanto coletivo-objetivas quanto pessoais-subjetivas. Assim Jung (2000, p. 61) expõe: “A Alma é o ponto de partida de todas as experiências humanas, e todo o conhecimento que adquirimos acabam por levar a ela. A alma é o começo e o fim de qualquer conhecimento. Realmente não é só o objeto de sua própria ciência, mas também o seu sujeito” (p. 61).

Assim se eliminou as diferenças entre o sujeito psíquico e o sujeito histórico, visto que psique é história. Porém, há a diferença entre o sujeito consciente das suas determinações e o sujeito inconsciente das mesmas em sentido total, entendendo toda construção humana (cultural) como partindo do humano para o humano como natureza em fluxo. Pois “… a pré-disposição arquetípica que gera cultura é exatamente a propriedade a priori que o instinto tem de se opor a si mesmo” (DANTAS, 2015, p. 28).

A reflexão ou ação coordenada é a possibilidade de negação do instinto através de sua inibição, a consideração do arquétipo enquanto um padrão significa que o próprio instinto inibe a si mesmo na compulsividade, que por ser cega a priori, abre um vazio de possibilidades de apreensão.

2.3 O ARQUÉTIPO DA ANIMA/ANIMUS: MEDIAÇÃO E ALTERIDADE

A grande problemática da relação humana sempre girou em torno da alteridade enquanto manifestação da diversidade humana. Aqui se estabelece o problema o qual a educação inclusiva se dirige. Como é possível propiciar uma educação para todos levando-se em consideração que a alteridade é a absoluta experiência do diferente?

Anima e animus (alma e pneuma) são palavras latinas que remetem a experiência com as imagens psicológicas originárias da alteridade, sendo um conceito que nos remete ao fator que nos liga a tudo o que é diferente do ego a priori e internamente, podendo ser esta diferença tanto real quanto imaginária em sentido estrito (JUNG, 2000, p. 37).

A experiência psicológico-arquetípica só pode acontecer e ser reconhecida a partir de nossas projeções[4]. “A primeira portadora da imagem da anima é sempre a mãe; depois, serão as mulheres que estimularem o sentimento do homem” (JUNG, 2008, p. 84). Sendo a mãe a primeira imagem da anima (feminino) a ser projetada no meio externo pela criança, ela representa a função de sobrevivência da mesma através da primeira experiência da alteridade, um corpo que é separado em dois, porém unificado pelo cuidado.

Isso significa que a natureza psíquica porta em si o trabalho de separação entre mãe e filho onde tal divisão irá gerar a possibilidade para que este espaço possa ser integrado pela criança como zona de potencial para se diferenciar em um ser individual. A anima como tendo sua primeira representação na experiência materna não deixa de existir assim que a criança nasce. Mas como se refere Neumann (1980, p.9): “Todo o primeiro ano da infância precisa ser considerado como fazendo parte da fase embrionária, em que a criança encontra-se psíquica e fisicamente integrada no corpo da mãe”.

Deste modo a anima em sua natureza arquetípica comporta a relação da criança com a maternagem em sua dimensão de dependência-separada onde a mãe torna-se uma matriz para o aspecto espiritual feminino de possibilidade de existência autônoma, pois o amor materno pressupõe aqui a fusão-separação.

Se alguém espera um cuidado materno que nutre e gera segurança obtendo-o na prática, poderíamos dizer que foi bem sucedido, porém se ocorre o inverso esta pessoa poderia gerar um complexo materno negativo, onde a imago (imagem construída) deteriora a experiência arquetípica, a isto os psicólogos chamam de processo de transferência[5].

A grande questão que a experiência da anima impõe é justamente conseguir conter no indivíduo os seus conflitos e oposições psicológicas, onde a pessoa ainda pode se manter aberta à alteridade ou não-eu. John Bolwby (2006) postula que a maternidade efetiva é quando se consegue cuidar da criança de “… tal maneira que nenhum dos dois impulsos que põem em perigo a pessoa amada – a voracidade libidinal e o ódio – se torne demasiado intenso”. A maternagem é uma relação onde à diferenciação é intrínseca gerando assim a possibilidade genuína da alteridade. A experiência primal com a mãe deve necessariamente conter a fusão e a separação a ponto da mesma conseguir suportar suas ambivalências criando um vínculo. Assim o arquétipo da anima deve formar na criança a capacidade em conter em si a alteridade absoluta de si.

Deste modo a experiência da alteridade representada pelas imagens arquetípicas da anima/animus na mitologia e nos contos de fadas em paralelo com a experiência significa a capacidade em propiciar a separação de opostos como unidade psíquica, onde “… o que faz dela não só a unidade-na-diferença como também a diferença-na-unidade, não só psique, mas também logos. A função transcendente é então psico-logia…” (DANTAS, 2009, p. 40). Isso significa que nossas relações primais nos lançam na relação adulta com um repertório de atitudes de apreensão da alteridade, na medida em que nos ajudam a vivenciar a experiência arquetípica de unidade com um amor incondicional, relatado a nível cultural-arquetípico como o mito do Jardim do Éden, uma separação que possibilita o Humano dentro do Homem.

3. METODOLOGIA

Adotou-se como método deste trabalho a pesquisa bibliográfica, visando analisar o conceito de relação construído pela Psicologia Analítica em paralelo com a Mediação da Aprendizagem, desenvolvida por Liev Vigotsky e ampliada por Reuven Feuerstein. Assim, propôs-se analisar de que modo à compreensão da construção da relação, pode contribuir para uma mediação da aprendizagem a partir do vínculo professor-aluno, levando-se em consideração a mediação da alteridade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do princípio aqui exposto de que a partir da compreensão da construção da relação baseada na psicologia de Jung em paralelo com a Pedagógica de Vigotsky e Feuerstein. Para que qualquer mediação da aprendizagem seja possível é preciso, antes de qualquer coisa, considerar que a relação é uma constante inconsciente-arquetípica a nível de atitude.

Toda e qualquer atitude dos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de um para com o outro, está diretamente condicionada ao inconsciente de cada um para consigo mesmo. O que nos permite afirmar que a mediação postulada por Budel e Meier (2012, p. 125) como “… uma interação especializada, de maior qualidade, qualificada por posturas específicas denominadas critérios ou características da mediação”, só é possível através da consideração das atitudes psicológicas-inconscientes do próprio mediador.

Desta feita na medida em que me uno as minhas questões (reflexão, logos) me distinguindo do outro de forma intrínseca, me uno a ele a partir da mesma distinção, pois lhe dou a alteridade ao relativizar o conceito dado do outro, refletindo o mesmo a partir do meu psiquismo. Me igua-lo quando dou ao outro a oportunidade de reformular meu conceito diante de mim. Assim o vínculo é possível na medida em que alteridade se torna a problematização de minha própria psique através do outro.

Levando-se em consideração que à mediação da construção do vínculo professor-aluno é fundamental para que a motivação para aprender ocorra (BUDEL E MEIER, 2012, p. 126), é de extrema importância à consideração da equação pessoal enquanto determinante do processo a partir de uma reflexão psicológica.

Aqui, a alteridade é o pré-requisito absoluto para que o vínculo seja possível e a Psicologia enquanto área de atuação é condição sine qua non para que a mediação enquanto uma interação especializada possa acontecer dentro de uma instituição escolar por exemplo, haja vista a hiper importância que o currículo escolar adquiriu tornando a aprendizagem inflexível no que diz respeito a consideração da singularidade no processo.

A abertura a alteridade convoca um nível de flexibilidade psicológica que permita conter o outro em um espaço potencial também do educador, onde o par eu-outro possa se definir como quiser. Para “conter” este outro em si, não pode haver predefinições de como é ser um professor ou aluno.

É esta a concepção que a ideia arquetípica convoca, considerar a reflexão diante das próprias relações que já acontecem, são dadas. Um convite a uma leitura da realidade que cinde e subverte os papéis sociais dentro da escola. Desta feita, a atitude arquetípica do professor e/ou aluno ou o paradoxo dos papéis situado como um instinto cultural, precisa de uma zona de abertura para se instituir em meio às relações para que estas possam se redefinir e se legitimarem.

O aluno com deficiência impõe ao professor o problema da alteridade enquanto confrontação com sua diferença alienada, pois este outro se coloca como uma existência incompreensível em sua estrutura “deficitante”. Sentir-se outro deverá contemplar necessariamente não sua dimensão de impotência, pois aí estaria se movendo na esfera do estigma, mas seria assumir a experiência da anima (alma), um processo psico-lógico que convida a dissolver a impotência na diferença. A experiência da mediação da alteridade pressupõe que o professor consiga encarar sua estranheza diante deste outro diferente de si assumindo sua unidade-na-diferença, para só a partir daí refletir sua diferença que irá uni-lo ao outro.

Em termos psicológicos a diferença é inerente ao sistema psíquico enquanto uma experiência de alma, um outro em nós que se configura como um não-eu. Considerar a radicalidade desta experiência é conceber que todo outro que entramos em relação, constela em nós um outro-de-nós. Assumir esta experiência é efetivamente estar aberto para a alteridade, nada dizer ou julgar sobre qual reação deve-se ter diante do outro ou de si mesmo. Se isso ocorre podemos dizer que a relação professor-aluno é consolidada.

“É preciso aceitar o desafio de implodir a lógica das identidades fixas (…). Um bom começo para responder a esse desafio é apostar na relação com o ‘outro’ como alguém estranho – estranho – a ser conhecido, concedendo-lhe a alteridade” (PAN, 2008, p. 105).

REFERÊNCIAS

AUFRANC, A. L. B. “O Curador Ferido” – Uma abordagem junguiana da relação transferencial. 8º Encontro do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica.São Paulo, p. 39 – 45. Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo. 2004.

BUDEL, G. C; MEIER, M. Mediação da Aprendizagem na Educação Especial. Curitiba. Ibpex. 2012. (Série Inclusão Escolar).

DANTAS, André. Dialética da Modernidade I. Fortaleza. Clube de Autores. 2015.

_____________. Psicologia Dialética: Uma crítica interna a Psicologia Junguiana. Fortaleza. Clube de Autores. 2009.

JUNG, Carl Gustav. A Energia Psíquica. Petrópolis. Vozes. 2002.

_______________. Aion: Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis. Vozes. 2008.

_______________. A Natureza da Psique. Petrópolis. Vozes. 2000.

_______________. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis. Vozes. 2000.

_______________. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis. Vozes. 2008.

LEAL, D; NOGUEIRA, M. O. G. Dificuldades de Aprendizagem: um olhar psicopedagógico. Curitiba. Ibpex. 2011.

NEUMANN, Erich. A criança. São Paulo. Cultrix. 1980.

PAN, Miriam A. G. S. O Direito a Diferença. Curitiba. Ibpex. 2008.

PAROLIN, I. C. H; KÜSTER, S. M. G. As Emoções e os estilos de aprendizagem no processo de ensinar e aprender. Curitiba. Julho de 2011. Disponível em: http://isabelparolin.com.br/?p=179.

PAULA, K. M. P. de; ENUMO, S. R. F. Avaliação Assistida e Comunicação Alternativa: procedimentos para educação inclusiva. Rev. Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 13, n. 1, abr. 2007. Disponível em: <www.scielo.br/scielo. phpscript=sciarttext&pid=S14165382007000100001&lng=p&nrm=iso>. Acesso em: 27de Set. 2015.

SAMUELS, A; SHORTER, B; PLAUT, A. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. 1ª ed. Rio de Janeiro. Imago. 1988.

SILVA, Aline Maria. Educação Especial e Inclusão Escolar: História e Fundamentos. Curitiba. Ibpex. 2010.

VIEIRA, André Guirland. A Função da História e da Cultura nas obras de C. G. Jung. Aletheia. Junho de 2006.

VON FRANZ, Marie-Louise. Psicoterapia. São Paulo. Paulus. 1999. (Amor e Psique).

ZOJA, Luigi. História da Arrogância. São Paulo. Axis Mundi. 2000.

NOTAS

[1] Formado em Psicologia pela PUC Minas e Pós-Graduando em Educação Especial Inclusiva pela FATEC – Uninter.

[2] Formado em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (2006) e Pós-Graduado em Psicologia Corporal pelo Centro Reichiano (2007).

[3] Método experimental para a identificação de complexos pessoais mediante a investigação de associações ou conexões psicológicas ao acaso (…). O teste foi inventado por Galton e modificado por Wundt que queria descobrir e estabelecer a lei que governa a associação de ideias. Jung foi encarregado de tais pesquisas (SAMUElS, SHORTER & PLAUT, 2003).

[4] Projeção:“… é um processo inconsciente e automático” (JUNG, 2000). Para Jung a projeção é o deslocamento de impulsos psíquicos em objetos externos se dando de maneira irracional, inconsciente. As projeções contem falsas caracterizações não processadas oriundas da primeira infância. Aquilo que é projetado, contudo, quando examinado mais de perto, não é de modo nenhum apenas uma imagem da lembrança do pai, mas representa a tendência autoritária do próprio filho ou filha. A projeção não envolve somente conteúdos pessoais, mas também coletivos [arquetípicos], quando, por exemplo, o médico é considerado um Deus para o paciente (VON FRANZ, 1999).

[5] Transferência e Contra-transferência: Através deste processo a pessoa religa às partes de seu passado que estão vivas no presente de forma inconsciente causando um desgaste desnecessário e sabotando as relações com expectativas parentais, porém tais expectativas quando observadas mais de perto demonstram necessidades arquetípicas não preenchidas e que precisam ser integrados ao processo de torna-se indivíduo (AUFRANC, 2004).


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