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Iansã: O espelho do inconsciente (O arquétipo da Reflexão)


Uma pequena história

“Olodumaré, vendo que nem seu pássaro mensageiro voltava da sua morada exterior e vendo que até o caos estabelecido nele já não se movia por causa do axé paralisador de Omolú (que junto com os outros orixás tentaram reestabelecer a ordem sem sucesso), chamou até seu trono o orixá responsável pelo axé refletor, axé que reflete o mundo interior, a morada de Olodumaré para o seu exterior (o mundo manifesto) e reflete o mundo exterior para o mundo interior. O orixá refletor responsável por esse axé de Olodumaré ativou seu mistério, e Olodumaré começou a ver todo o seu mundo ou morada exterior, e todos os orixás passaram a vê-lo também. Iansã é o movimento e direção e, porque seu axé é o das vibrações que coloca tudo em movimento, ela também compartilhou-o com os outros orixás e cada um deles criou sua faixa vibratória, por meio da qual flui seu axé, sem que um interfira na ação dos outros” (SARACENI, 2005, p. 121).

 

Iansã é o orixá do vento, mas não de qualquer vento, mas das tempestades, pois é o orixá que coloca tudo em movimento, direciona, vibra, colocando cada um em seu caminho próprio. Uma lenda conta que Olodumaré ao criar o mundo não conseguiu ordenar o caos que dali vinha juntamente com os outros orixás. Tudo que tocava e criava se desorganizava em um caos de direção e movimento.

Para Jung (2000) existe uma camada coletiva, arcaica e originária não só no corpo, mas também na estrutura mental de cada pessoa. Tal camada é observada nos estudos comparados das religiões, onde mitos de uma cultura encontram paralelos em outras. Assim por exemplo Iansã pode ser considerada um paralelo da lua na alquimia que é fria por fora, mas incandescente por dentro. Assim como arcanjo Miguel que porta uma espada de fogo protegendo a árvore da vida[1]. A espada e o raio, ou podemos conceber a espada de fogo como representação da união entre Iansã e Xangô já que ambos são amantes na mitologia Iorubá.

Quero chamar a atenção do leitor para as principais qualidades deste orixá tão pouco falado ou conhecido e sua correlação histórica como, por exemplo, o Verbo[2] criador bíblico em que através de seu movimento dá a vida, gera e engendra. Quando falamos de vibração, intensidade e orientação não podemos nos furtar de pensar no conceito de energia.

O mais interessante disso é que na psicologia e na física também há os mesmos conceitos. Jung (2002) utiliza o conceito de Energia Psíquica. A Energia Psíquica é uma metáfora física para denominar as relações de valores psíquicos inconscientes. Ou o tipo de movimento que ocorre no psiquismo. Eu diria que é a metáfora para as relações de intensidade.

“O conceito aplicado de energia concerne sempre ao comportamento das forças, das substâncias em movimento, pois a energia só é acessível à experiência precisamente mediante a observação direta do comportamento das substâncias em movimento” (par. 52).

Observando na pequena lenda a importância do orixá Iansã para a leitura da realidade, tanto dos povos africanos como paralelamente a leitura de realidade que hoje em dia realizamos através da psicologia, os conceitos de intensidade, fluxo, movimento são constantes. E observando a analogia que Hillman (2011) estabelece identificando na prata alquímica e seu simbolismo lunar a prática da reflexão:

“Se a prata reflete porque é tanto receptiva quanto sólida é o tipo de consciência que serve para refletir (...) e não se pode refletir tudo, mas apenas aquilo que se pode receber e ao que se está solidamente presente dentro dos limites de nossas próprias fronteiras” (p. 199).

O mesmo autor acima referido nos coloca que a prata, a lua e o branco simbolizam o analítico da psicologia, refletem o que realmente se mostra para o bem ou para o mal. Assim como no conto da função cosmogônica de Iansã, tal reflexão revela inclusive o lado degradante da realidade, mas sempre no sentido de conduzir-nos ao melhor de nós mesmos, visto que seu objetivo primordial é revelar/refletir o mundo interior de Olodumaré em sua exterioridade fazendo-se portal para que este possa se reconhecer em si.

Assim é o trabalho psico-lógico, que encarna o símbolo da justiça de Iansã, onde o valor ou desvalor não reconhecidos veem a tona. Deste modo a purificação característica das confissões e da psicoterapia, não garante que haja a reflexão, o corte, a formação de um conceito sobre si. O símbolo do referido orixá é sempre o furacão, ou a sua dança circular em torno de um centro neutro (setting analítico).

 

Reflexão e Caos

Deste modo muitas vezes a reflexão psico-lógica perpassa a eclosão de uma psicose, ou desorganização psíquica para após isso gerar uma obra primeira, uma criação. Isso porque no princípio para que o orixá refletor atuasse, antes era preciso organizar o caos que havia sido instaurado. Toda reflexão requer o caos como matéria prima, ao mesmo tempo em que toda desorganização psicológica requer um momento de introspecção e reflexão, “... um voltar-se para trás ou para dentro a partir da consciência, de modo que, em vez de uma reação imediata ou não premeditada a estímulos objetivos, intervém uma elaboração psicológica” (SAMUELS, SHORTER & PLAUT, 1988, p. 93).

Tal ideia pode ser encontrada no círculo ritual, esse voltar-se para a condição originária, assim o círculo de Iansã é uma espiral de nove voltas (SARACENI, 2005, p. 122) representando seus nove filhos. Cada camada é uma nova circum-ambulação em torno de si, uma nova reflexão. Deste modo, estar voltado para si, se ocupar religiosa e rigorosamente faz parte da real experiência analítica de autoconhecimento. Que no final é um conter-se no círculo para apreender a si mesmo racionalmente, nossos pontos luminosos e obscuros.

 

NOTAS

[1] “Agora, pois, cuidemos para que ele não estenda a sua mão e tome também o fruto da árvore da vida, e o coma, e viva eternamente (...) e colocou ao oriente do jardim do Éden querubins armados de uma espada flamejante...”(Gn 3, 23-24).

[2] “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus” (Jo, 1,1). E também: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de Verdade” (Jo, 1, 14).

REFERÊNCIAS

HILLMAN, James. Psicologia Alquímica. Petrópolis. Vozes. 2011.

JUNG, Carl Gustav. A Energia Psíquica. Petrópolis. Vozes. 2002.

_____________. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis. Vozes. 2000.

SAMUELS, Andrew; SHORTER, Bani; PLAUT, Alfred. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Rio de Janeiro. Imago. 1988.

SARACENI, Rubens. Formulário de Consagrações Umbandistas. São Paulo. Madras. 2005.


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