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O Náufrago: Um olhar sobre a solidão


“Amar uma paisagem solitária, quando estamos abandonados por todos, é compensar uma ausência dolorosa, é lembrarmos daquela que não abandona...”

Gaston Bachelard - A água e os sonhos

O Náufrago dirigido por Robert Zemeckis possui um enredo bem simples, mas se torna uma obra estética pois retrata a derrocada de toda uma existência que, por permanecer ilhada, literalmente morre. Mas vocês devem se perguntar: “Mas se trata de um suicídio?”. Sim e não! Fica aqui uma provocação para que possam assistir ao filme.

Percebemos o malogro de uma vida na história de Chuck (Tom Hanks) quando a ilha (uma terra areada no meio de uma imensidão de mar, isolada da civilização e esquecida pelo mundo) se torna a única possibilidade de sobrevivência, mas ao mesmo tempo o seu calvário.

Vale a pena existir assim? Esta é a pergunta que nos fazemos o tempo todo! O filme diz de como é possível sobreviver na solidão do esquecimento, abandono e impossibilidade. Exatamente o que se refere a expressão “estar ilhado”, ou não conseguir se mover, ou encontrar saídas.

Não podemos deixar de comparar a ilha a um processo de introversão descrito por Jung, como um direcionamento da energia psíquica para a interioridade do sujeito, um sujeitar-se a própria companhia quando o mundo externo se configura como impossibilidade.

A ilha também é sinônimo de isolamento auto induzido. O fato é que Chuck se perde por acidente. A queda de um avião postal. O que denota aqui, em termos metafóricos que por um processo incondicionado em um momento da vida somos todos confrontados com esta dimensão de impossibilidade externa, ou a emergência da interioridade humana. Uma facticidade por assim dizer!

Porém, somente isso não é sinônimo de interioridade, mas sim de perda de referências egóicas. Podemos observar no jargão popular que uma pessoa “ilhada”, muitas vezes é associada a uma pessoa isolada do mundo. Aquele que se isola no mais das vezes se iguala ao autista ou esquizofrênico. Assim, irei me referir aqui ao “ilhamento”, não como um estado onde o sujeito se aliena do mundo, mas como este ilhamento se torna necessário a uma vida mais plena enquanto experiência da Alma.

O estado de ilhamento, significa um processo de tornar-se estranho a si mesmo, muito comum em processos depressivos, lidos como sintoma de despersonalização. É quando o inconsciente se personifica como ilha. Mas esta ilha não é aquela do senso comum, um local de auto endeusamento virtual, ou masturbação egóica, de curtidas e uma chuva de postagens de fotos comentadas por uma platéia fervorosa e voyeristas. Este é justamente o alienamento da solidão.

Oras, para todo aquele que se deleita em olhar, há também aquele que se deleita em apenas se exibir. Não que o ego não possua seus prazeres, mas que tais prazeres sejam autênticos para com o outro, quanto para consigo mesmo. Assim, Jung (1971) nos remete a diferença entre dois princípios contraditórios em sua natureza. O impulso por poder (ego) e o impulso por amor (Eros) tão comentados entre Freud e Adler. Ou a libido é direcionada para si, ou para o outro, não há um meio termo.

A grande questão do voyerismo e exibicionismo virtuais é que ambos podem ser lidos como um auto prazer defensivo, uma incapacidade em ilhar-se, ou seja, uma resistência em estar consigo mesmo sem ter a possibilidade de manter uma imagem enaltecida de si. Assim, quando falamos de egoísmo ou narcisismo como preferem os psicanalistas, dizemos de uma condição ensimesmada onde absolutamente toda a experiência é reduzida: 1. Ao auto conceito que se quer ter de si (eu ideal); 2. As expectativas que se tem na figura de si e do outro; 3. E a confusão entre fantasia e realidade, tomando a primeira pela segunda.

Essas três qualidades definem uma pessoa que se isola do mundo no chamado narcisismo. O mundo virtual serve bem a isso, pois gera à pessoa uma plataforma em que ela possa dizer, mostrar, responder e se coadunar às expectativa que deseja no momento, porém tudo é feito em um alienamento do outro. A virtualidade faz-nos pensar que tudo está sob o efeito de um clique, direcionado por uma vontade, que inclusive detém o saber sobre o outro.

Voltando ao filme, a condição de Chuck na ilha perpassa todo um processo de transformação, onde o sujeito morre simbolicamente para a civilização se adaptando às necessidades mais prementes de subsistência, conseguindo sobreviver pelas próprias mãos. E por último, tendo que suportar a condição da solidão e busca por um sentido em estar vivo.

O mais importante em O Náufrago é que sobreviver significa superar as impotências a partir da solidão, ou do que ela revela. Durante seu processo, seu próprio sangue em uma bola dá vida a Wilson, uma sub personalidade do próprio Chuck que o ajuda a se manter vivo. Aqui observamos no filme que o psiquismo precisa necessariamente de um outro, da relação interpessoal para se manter. Para sobreviver - manter a sanidade e orientação - também é preciso referências psicológicas.

Mas Wilson não é uma pessoa e sim uma bola. Porém a psique de Chuck escolhe focar na sua fantasia e literalizá-la. O mais interessante é que a literalização do outro em uma coisa, serve a própria sobrevivência, o sujeito necessita psicotizar. Isso demonstra a extrema relatividade do que nomeamos como loucura. Mais a frente no filme a perda de Wilson é encenada em uma magnífica interpretação que nos emociona, mostra que o significado subjetivo do outro que está em jogo.

Carotenuto (2004) explica que: “Percorrer o caminho próprio, significa em suma, necessariamente tomar distância do coletivo”. Chuck precisaria matar toda a civilização na literalização de Wilson (uma marca da bola), para conseguir ao final, metaforizar seu naufrágio. Ele traiu a experiência de estar-com-o-outro civilizado, gerando em Wilson a própria noção de um outro a partir de si. Podemos dizer que Wilson foi uma âncora na noção de outro para Chuck poder nutrir esperança.

O autor ainda coloca que uma “relação psicológica” - por isso a análise não é tão atrativa e legal - perpassa necessariamente a superação do problema de Narciso, que é a “... impossibilidade de conseguir uma passagem da identidade, a qual não quer se separar, à alteridade, ao confronto (...), ao risco do insucesso”. Todo o vínculo construído com Wilson demonstra os percalços da relação e simboliza esta conservação da possibilidade de risco e insucesso.

Chuck tentara se enforcar no topo de uma árvore, mas percebe testando com um tronco, que a árvore não suportaria seu peso. Assim ele narra a experiência da impotência como uma “coberta quente”, onde testemunha pela primeira vez a morte de suas certezas (ego) e o nascimento para o indefinido (anima). Se a identificação com o ego faz Chuck querer morrer, a morte simboliza aqui sua impotência em não conseguir se suicidar. O que se abre a partir disso é o desconhecido que representa a vida, a ausência de controle.

Nas palavras de Jung (1963, p. 350) a visão da Alma se assemelha “...à contemplação de um céu noturno estrelado, pois o equivalente do mundo interior só pode ser o mundo exterior (...). Minha consciência é como que um olho que abarca os espaços mais distantes, mas o não-eu psíquico é aquilo que de maneira não-espacial, preenche esse espaço”.

A alma é esta perspectiva aberta para o mundo, quando Chuck não precisa fazer mais nada, mas apenas esperar e contemplar a vastidão, aquilo que não é, sua alteridade. Isso é expresso em sua frase ao não conseguir se matar: “De algum modo eu percebi que precisava continuar respirando”. É notória aqui a atitude de abertura ao mistério do desconhecido.

Assim, quando ele retorna a sociedade percebe que perdeu sua esposa uma vez pelo naufrágio e uma segunda vez, por não significar a mesma coisa para a mulher. Mas Chuck agora se tornou outro, um outro-de-si, onde às vezes é preciso naufragar para deixar o outro ir.

E finalmente a partir de sua Alma, Chuck vê-através quando consegue fazer de seu naufrágio a metáfora da continuidade de sua vida, agora solitária. Pois solidão aqui significa conceber a si sem uma imagem externa do outro, aberto as várias possibilidades deste se constituir, ou macular. Assumir a alteridade significa também deixar o outro partir, assumir a falta. Mas também encontrar um refúgio na própria Alma.

O filme O Náufrago se torna uma verdadeira obra de arte, sem falar da trilha sonora de Alan Silvestri, que nos induz a um estado de perda, abandono, profundidade e serenidade. Um estado autenticamente solitário. Neste reino a frase que o leva de volta é a mesma que ele utiliza para continuar a viver.

“Eu sei o que tenho que fazer agora. Eu vou continuar respirando. Porque amanhã o sol vai nascer e quem sabe o que a maré vai me trazer?” (Chuck Noland - O Náufrago).

REFERÊNCIAS

CAROTENUTO, Aldo. Amar Trair. São Paulo. Paulus. 2004.

JUNG, Carl Gustav. Memórias Sonhos Reflexões. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1963.

_____________. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis. Vozes. 1971.


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