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A Castração de Urano e a Ética do Crescimento


O filme Sul-Coreano Pandora, do diretor Jung-Woo Park narra um incidente de vazamento nuclear que acaba com uma cidade inteira da Coreia do Sul[1], que vislumbra muitas possibilidades de crescimento econômico através da geração de emprego e energia elétrica de baixo custo para uma pequena cidade.

O nome do filme se torna sugestivo já que a usina na verdade guardava a própria morte enquanto desgraça. Logo, o que gera conforto às vezes pode matar. O filme vai mostrando uma série de irregularidades e procedimentos mascarados, assim como ocorreu em Chernobyl, tudo sob um discurso em nome do progresso e do desenvolvimento econômicos a qualquer custo.

No Brasil, o discurso da crise é o mesmo que gerou tais catástrofes nucleares, o trabalho em nome do progresso e do crescimento, ou a identificação do segundo com o primeiro, porém uma punição inconsciente ao cidadão que deve pagar desvios de outra ordem.

Nos desastres de Chernobyl e Fukushima vemos a relação simbólica inconsciente com uranio, o principal elemento do crescimento econômico e da produção de energia. O titã Urano é considerado miticamente o poder autoritário que não admite a glória dos próprios filhos, se torna um princípio de contenção, de repressão e inibição até ser castrado.

Urano era esposo de Gaia, ele odiava tanto os filhos que resolveu aprisionar todos no tártaro, portanto Gaia para se vingar persuadiu seu filho Cronos para libertar os outros titãs e deu a ele uma foice de pedra afiada. No meio da noite Cronos junto com os irmãos resgatados segurou a genitália do pai e a cortou, algumas gotas de sangue fecundaram Gaia que gerou as três Eríneas que vingam crimes de parricídio. O falo e os testículos do pai lançados ao mar deram origem à deusa Afrodite.

Urano representa no mito uma força descomunal de ódio e poder autoritário que precisa ser castrado. Ao “enriquecer” uranio sob a égide do progresso, o ser humano não só lida com o aspecto material do fenômeno, até porque sua intencionalidade psicológica não deixa de estar implicada, mas lida simultaneamente com seu próprio princípio psicológico de fertilidade através da castração do poder.

Urano reflete o desmembramento e a pluralidade de formas produzidas pela castração, isto é, nossos limites que quando reconhecidos geram vida. O crescimento que Urano produz, só é gerado a partir de uma limitação. Porém, o que ocorre quando a ideia de progresso econômico não tem limites é que Urano não é castrado e o efeito que se dá é um autoritarismo que castra a própria fertilidade, o ganho e o lucro passam a ser irracionais.

O filme mostra bem a loucura dos funcionários da usina, mesmo diante da morte iminente tentando estabilizar o reator para não parar a produção de energia. Não há como não estabelecer uma relação entre tal loucura e a busca irracional por poder transvestida no discurso do crescimento empreendedor. Não há como estabelecer uma relação de igualdade, quando a busca pelo poder econômico cega.

Poder corrompido

Assim o autoritarismo cria um círculo vicioso, uma relação de dominador-dominado, pois o dominador não irá querer limitar seu poder, ele nem sequer consegue ter o domínio diante do seu apetite. No Brasil a corrupção da classe política foi justamente a defesa do crescimento a qualquer custo. O poder inebriou a ponto da classe política se esquecer de certos princípios que norteiam o lugar da liderança.

Liberdade, igualdade e fraternidade são princípios inseparáveis da Revolução Francesa, uma tríade, onde a liberdade para crescer só é possível mantendo o princípio da igualdade, pois só na consideração da igualdade de direitos e condições é possível nutrir empatia. Empatia que é este “se colocar no lugar do outro” [2] é o motor da fraternidade, que também determina as noções de igualdade e liberdade.

A partir do histórico de desigualdade no Brasil, não dá para estabelecer uma causa ou regredir para saber onde e quando o cidadão cindiu este laço que o unia a princípios orientadores de um comportamento social, o que torna a sociedade brasileira profundamente anti-social. Ao que parece, Dikê se tornou um princípio psicológico onde somente a partir de um conhecimento da subjetividade é possível considerar o Outro em sua objetividade.

O que coloca a psicologia em um lugar de destaque, visto que o pré-requisito para uma atitude empática que possibilita o convívio social é o conhecimento das narrativas da alma. Um colocar-se diante de si mesmo e das próprias questões existenciais. Tal máxima é atualizada pelo cristianismo na ideia de que devemos fazer ao outro aquilo que desejamos a nós mesmos. Dentro da ciência psicológica no conceito de processo de individuação[3] isso se amplia quando só se pode conhecer o outro como ele é, na medida em que nos tornamos como realmente somos.

O Símbolo de Urano: desdobramentos...

A noção de igualdade quando excluída da tríade transformou a economia em uma exacerbação do lucro sem limites em detrimento da equalização do mesmo segundo as necessidades. Por reprimir a própria subjetividade na consideração das questões políticas e sociais, o indivíduo, em detrimento dos partidos, inconscientemente passou a subjetivizar projetando os próprios interesses em questões de ordem social.

Assim, considerar as questões sociais não significa tornar público opiniões e conceitos subjetivos, pois estes seriam destituídos de sua própria natureza, mas antes, dissociar ideologia de cidadania. Participar do corpo social não significa querer reforma-lo ou torna-lo melhor. A ideologia é justamente um pensamento sem avessos, onde “quem não está comigo, está contra mim”.

O nível elevado de corrupção neste sentido se transformou em um conluio entre empresas e Estado objetivando manter um poder que paradoxalmente se tornou sem representatividade devido ao distanciamento econômico entre poder e sociedade, portanto autoritário. Assim começa os processos de cassação e delação revelando a indiferença às antigas ideologias por parte dos envolvidos e juntamente a isso uma revolta generalizada, que não pode ser confundida com posicionamentos ideológicos.

Desta feita, a igualdade passa a representar a punição pela mão do destino. Nêmesis[4] retorna no sentimento generalizado de abandono e ausência de garantias, transformando toda tentativa de progresso em caos, um caos que limita. Ninguém confia em ninguém, o que é relatado por uma crise coletiva onde as empresas não conseguem investir e o cidadão não consegue consumir. Uma perfeita estagnação!

Se a noção de progresso visa a um enriquecimento coletivo em que as pessoas confiam em seus próprios potenciais de crescimento para se desenvolver e gerar segurança, o movimento se reverte na geração de uma insegurança coletiva em investir e consumir.

Da estagnação nasce à depressão como sintoma da atitude de repressão da auto limitação, sabemos que quando se reprime o limite à única forma de este retornar é na enantiodromia[5] da morte, uma limitação última. Daí vemos a grande quantidade de obras cinematográficas pós-apocalípticas!

Assim, no filme Pandora a transgressão do limite ignorando os defeitos do reator é punida pelo descontrole do “uranio enriquecido”. A morte como o único limite retornando na espada de Nêmesis. Urano como uma grandeza primordial, contém em si toda a matéria prima da criação, do desdobramento de si no caminhar das gerações futuras.

Urano é o velho em nós que aceita seu destino, a morte. Sua morte é a castração, ao mesmo tempo em que é a única possibilidade de fecundação do solo matriarcal de Gaia e nascimento da beleza. A consideração de Urano como um símbolo significa o reconhecimento – através de um trabalho psicológico – das próprias defesas que nos tornam impotentes e fracos diante da vida. É preciso morrer a cada dia para poder viver! Esta é a única possibilidade de crescimento possível, castrar e gerar espaço para que a vida se dê espontaneamente em seu próprio tempo natural, no tempo de Têmis[6].

"Quem quer algo de grande, deve saber limitar-se. Quem, pelo contrário, tudo quer, nada, em verdade, quer e nada consegue"

G. W. Hegel

REFERÊNCIAS

DANTAS, André. Dialética da Modernidade I. Fortaleza. Clube de Autores. 2011.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Religião. Petrópolis. Vozes. 1980.

_______________. Tipos Psicológicos. Petrópolis. Vozes. 2011.

ZOJA, Luigi. História da Arrogância. São Paulo. Axis Mundi. 2000.

Notas

[1] Incidente real ocorrido em Chernobyl em 1986 na República Soviética da Ucrânia.

“O acidente fez crescer preocupações sobre a segurança da indústria nuclear soviética, diminuindo sua expansão por muitos anos, e forçando o governo soviético a ser menos secreto. Os agora separados países de Rússia, Ucrânia e Bielorrússia têm suportado um contínuo e substancial custo de descontaminação e cuidados de saúde devidos ao acidente de Chernobil”. Fonte: Wikipédia.

[2] A empatia tem a função de estabelecer um vínculo entre as pessoas. Para Zoja (2000) a realidade mítica de um cosmos fechado do grego foi substituída pela realidade Histórica aberta ao ilimitado do homem moderno. Dikê que representava a ordem que possibilitava o cosmos, “... a vinculação interna das coisas” (DANTAS citando STEIN, 2011) e o fuso da balança da justiça, se deslocou de uma metafísica transcendente, para uma transcendência imanente na alma do indivíduo (Hillman), fazendo deste a medida de todas as coisas.

[3] “Uso o termo „individuação‟ para denotar o processo pelo qual uma pessoa se torna „in-dividual‟, isto é, uma unidade indivisível ou um „todo‟” (JUNG, 2011).

[4] “As numerosas formas verbais que procedem da raíz nemes- exprimem uma ira, predominantemente justa ‘provocada pelo indivíduo a quem ela golpeia’ (...). Nêmesis indica um estado de ânimo que se ressente da falta de respeito pela lei e provêm da mesma raíz [nómos]” (ZOJA, 2000, p. 48).

[5] Enantiodromia: Uma lei psicológica descrita a princípio por Heráclito citado por Jung (1980) que representa o movimento de homeostase onde tudo quando chega ao seu limite, retorna ao seu contrário.

[6] Têmis: “... Têmis tem a máxima ligação com a questão das previsões oraculares e, no fundo representa a boca oracular da terra, a voz da própria Narureza. Têmis é a terra falando (...)” (DANTAS, 2011).


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