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Sísifo e o Ato Criador


O Mito

“Sísifo casou-se com Mérope, uma das sete Plêiades, tendo com ela um filho, Glauco. Certa vez, uma grande águia sobrevoou sua cidade, levando nas garras uma bela jovem. Sísifo reconheceu a jovem Egina, filha de Asopo, um deus-rio, e viu a águia como sendo uma das metamorfoses de Zeus. Mais tarde, o velho Asopo veio perguntar-lhe se sabia do rapto de sua filha e qual seria seu destino. Sísifo logo fez um acordo: em troca de uma fonte de água para sua cidade ele contaria o paradeiro da filha. O acordo foi feito e a fonte presenteada recebeu o nome de Pirene e foi consagrada às Musas. Assim, ele despertou a raiva do grande Zeus, que enviou o deus da morte, Tânatos, para levá-lo ao mundo subterrâneo. Porém o esperto Sísifo conseguiu enganar o enviado de Zeus. Elogiou sua beleza e pediu-lhe para deixá-lo enfeitar seu pescoço com um colar. O colar, na verdade, não passava de uma coleira, com a qual Sísifo manteve a Morte aprisionada e conseguiu driblar seu destino. Durante um tempo não morreu mais ninguém. Sísifo soube enganar a Morte, mas arrumou novas encrencas. Desta vez com Hades, o deus dos mortos, e com Ares, o deus da guerra, que precisava dos préstimos da Morte para consumar as batalhas. Tão logo teve conhecimento, Hades libertou a Morte e ordenou-lhe que troxesse Sísifo imediatamente para os Infernos. Quando Sísifo se despediu de sua mulher, teve o cuidado de pedir secretamente que ela não enterrasse seu corpo. Já no inferno, Sísifo reclamou com Hades da falta de respeito de sua esposa em não o enterrar. Então suplicou por mais um dia de prazo, para se vingar da mulher ingrata e cumprir os rituais fúnebres. Hades lhe concedeu o pedido. Sísifo então retomou seu corpo e fugiu com a esposa. Havia enganado a morte pela segunda vez. Mas um dia Sísifo morreu de velhice e Zeus enviou Hermes para conduzir sua alma ao Hades. No Hades, Sísifo foi considerado um grande rebelde e teve um castigo, juntamente com Prometeu, Títio, Tântalo e Ixíon. Por toda a eternidade Sísifo foi condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada “Trabalho de Sísifo”.[1]

 

A que serve o mito?

A princípio a leitura de um mito nos impõe certos critérios para que possamos elaborá-lo de uma maneira psicológica. A princípio temos que estar atentos as nossas intuições e reações imediatas psicofísicas para primeiramente ter a capacidade de nos abismar, encantar e a partir daí começar a contemplar as imagens que ele nos suscita.

O mito é sempre uma narrativa que mescla conteúdos concretos, metafóricos e principalmente simbólicos que extrapola o tempo mundano[2] e nos insere no chamado Kairós dos gregos que é nada mais do que o tempo da presença.

Para clarear melhor o leitor sobre a experiência mítica antes de abordarmos Sísifo tal temporalidade pode ser compreendida como uma “...experiência de duração que se relaciona não ao calendário, mas à vivência, uma experiência que não pergunta pelo tempo, mas é o próprio tempo, portanto intemporal (...)É através do ato que o ser se perpetua em seu estar-sendo, no ato de deixar-ser” (HELLER 2006, p.83).

Deste modo a vivência do mito remonta uma duração que transcende o tempo por atualizar uma experiência arquetípica, que embora seja ancestral, consegue presentificar-se no agora. O que introduz um paradoxo: Como é possível o originário existir no agora? Ou como o agora se transfigura ao presentificar não um passado, mas uma ancestralidade numinosa que toca também o futuro?

Por isso a importância da narrativa mítica que irá remontar a experiência originária colocando a pessoa em contato com a natureza humana. Dantas (2009, p. 291) amplia quando diz que o presente é o momento imanentemente negativo que desvanece assim que germina, tornando-se desde já passado e sendo sempre um futuro que está porvir. Assim estamos total e completamente enraizados no presente.

Deste modo que a narrativa do mito restaura a temporalidade do ser da experiência, coloca o indivíduo em contato com o agora absoluto. O que Sísifo trás com sua pedra?

 

O Símbolo em Sísifo

Podemos observar nos mitos deste herói que ele engana a morte por duas vezes, na primeira aprisiona Hades e na segunda engana Tânatos e Perséfone. Todas essas potências do mundo subterrâneo ou poderíamos dizer, inconsciente.

Sísifo não somente engana, mas estabelece uma troca com o deus rio Asopo que lhe confere uma fonte eterna em troca das informações acerca do paradeiro de sua filha Égina. Aqui vamos observar o confronto entre o poder (Zeus) e o devir (Asopo).

No mito diz que Asopo não consegue derrotar Zeus, a personificação do poder, se olharmos por outra lógica observamos que faz muito sentido quando o poder não pode ser derrotado pelo devir pois assim o mesmo se torna um contrassenso. O devir não precisa de nada além de si mesmo, pois é a manifestação do próprio fluir da vida.

Deste modo servindo a Asopo, Sísifo conserva em si o poder de Zeus que nega e afirma o devir existencial. Deste modo a fuga de Sísifo não é uma negação neurótica da morte, mas muito mais, a negação de um poder inautêntico, uma hybris (descomedimento) do próprio poder e ao mesmo tempo uma conservação do próprio vir-a-ser.

Sísifo ao enganar a morte não se livra de morrer, não comete uma transgressão contra Hades, pois da morte ninguém foge. O ato simbólico de enganar a morte duas vezes simboliza que o herói dominou a arte de viver a ponto de escolher quando deve morrer. Pois o morrer para Sísifo significa o sofrimento eterno nas mãos de Zeus.

Porém, Kast (1997, p. 71) nos descreve que o importante para Sísifo não seria pertencer ao séquito de Zeus, mas sim, ao séquito do deus-rio, de um deus que personifica precisamente a transformação e o fluir eterno, por conseguinte a mudança constante. Tal atitude também é encontrada na filosofia de Heráclito de Éfeso em que afirma: "Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois como as águas, nós mesmos já somos outros".

“Deste modo como um homem criativo, ele não pode respeitar completamente a ordem antiga; todo criativo se coloca contra uma ordem estabelecida e se confronta com ela” (ibid).

Podemos observar que há uma luta constante contra o poder representado por Zeus no sentido de sempre negá-lo, mas afirmá-lo ao mesmo tempo. Na condenação da morte Sísifo torna-se uma figura trágica em que não pode desistir do sofrimento de sua frustração que se torna eterna.

Porém, o herói se torna um baluarte do fluxo da vida, da energia criativa e do seu devir enquanto não desiste de conter a frustração de sua impotência frente sua existência (pedra). Ao mesmo tempo a fonte também inaugura um símbolo da totalidade na eternização da vida. Sua condenação (frustração e sofrimento) é eterna, mas seu influxo vital de êxtase dionisíaco que inaugura o tempo do agora também é.

O mais interessante do mito é que a mesma pedra a qual Zeus se transmuta para fugir do deus-rio é também a pedra a qual Sísifo precisa arrastar para sustentar sua frustração da impotência. A pedra que não chega ao cume é sempre a experiência da impotência auto sustentada.

Não a impotência de Zeus, aquela que inflama cada vez mais a cobiça dos homens, mas uma impotência de Asopo, àquela que justifica um fluxo autêntico, um auto acontecer. A água da fonte que nada pode, pois está no fluir de tudo. Não há hierarquia onde há fluxo ou uma hierarquia onde tudo flui o poder é justificado, pois está em todas as posições.

 

O Tempo como Fluxo

Não podemos deixar de atentar que Sísifo inaugura outra temporalidade ao iniciar na senda da eternidade tanto de sua condenação (morte), quanto de sua existência (vida).

Ambas as posições de vida e morte se dissolvem interpenetrando-se uma na outra quando Sísifo se torna um símbolo da abertura para o absurdo da eternidade. Nada começa a fazer sentido, ou então o mito inaugura outro sentido.

Tanto uma vida condenada, quanto uma condenação viva visa única e exclusivamente subordinar o poder luminoso de Zeus ao vir-a-ser criativo de Asopo, que justifica o poder pessoal do herói enquanto tempo presente, uma duração que se perpetua por deixar-ser.

 

O Ato Criativo

Deste modo, arrastar a pedra eternamente nunca desistindo se torna um absurdo, pois quebra uma lógica instrumental e inaugura um tempo presente (Kairós), em que toda subida e toda tentativa se torna sempre uma primeira vez, uma nova criação. Tais momentos não só exprimem o criativo em nós, mas retroalimenta o ato de criar o tempo próprio.

Sob o prisma de Sísifo todo trabalho onde o sujeito procura se adequar a um tempo-de-fazer, se torna uma defesa contra o tempo que inaugura o próprio fazer ou a prática apropriada. Assim todo trabalho que revela o fazer-apropriado, diante de uma lógica instrumental, nutre a alcunha do inútil.

Portanto a abertura ao tempo presente de um fazer-apropriado já é em si a proteção contra toda e qualquer forma de desapropriação do trabalho realizado pela lógica instrumental. Neste lugar o tempo de Zeus não faz sentido, nem ser útil diante do outro, pois o sujeito é em si o seu próprio fazer que se realiza na inutilidade transgressora de um tempo impróprio.

Finalizando! O fazer do tempo presente é uma prática que não se esgota em um espaço de tempo, mas que se concretiza em uma dada duração própria, uma duração condicionada à natureza do próprio ato. Sempre haverá uma lógica instrumental que procura ordenar o tempo, porém é o ato criador que dita e dá significado a este mesmo tempo.

A música nada seria se não houvesse uma tentativa de medir a duração do tempo em compassos. Porém até mesmo os compassos e a métrica só fazem sentido ao revelarem outro tempo, um tempo subordinado a criação da alma.

REFERÊNCIAS

DANTAS, André. Psicologia Dialética – uma critica interna a psicologia junguiana. Fortaleza. Clube de Autores. 2009.

HELLER, Alberto Andrés. Fenomenologia da Expressão Musical. Blumenau. Letras Contemporâneas. 2006.

KAST, Verena. Sísifo – A Mesma Pedra-Um Novo Caminho. São Paulo. Cultrix. 1997. (Coleção A Magia dos Mitos).

[1] Disponível em: http://eventosmitologiagrega.blogspot.com.br/2010/07/sisifo.html

[2] Tempo Mundano: Segundo Heller (2006) “... chamamos de tempo do mundo ao tempo que se torna público na temporalização da temporalidade. Quando olho para o relógio a fim de orientar-me e dizer que horas são agora, já parto de um tempo que fundou e dirigiu esse olhar para o relógio” (p.66).


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